P. Riscada

P. Riscada
Pedra Riscada, um gigante de Minas

Ipê

Ipê
Paisagem com ipê florido

Paisagem com cáctus

Paisagem com cáctus
As grandes montanhas, as serras , os vales

Torre

Torre
A santa cruz do Norte

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Entrevistando um pioneiro

Antonio Roxo - Julho de 2011 


Antonio Félix de Araújo, 95 anos de idade, conhecido popularmente como Antonio Roxo, é um  morador especial de Ataléia. Oriundo de Teófilo Otoni, chegou em Santa Cruz do Norte em 1939, se instalou definitivamente no povoado, constituindo família com sua esposa Maria Lígia Gomes, 84 anos. Além de vários episódios importantes, ele vivenciou  a emancipação do povoado que se transformou na cidade de Ataléia. É produtor rural. Sua propriedade de terra localiza-se às margens do rio São Mateus. Reside na rua Teófilo Otoni no centro de Ataléia desde o início dos anos 60. Sendo um de nossos mais antigos moradores, com uma lucidez invejável e dotado de muita sabedoria e discrição, concedeu-nos esta entrevista histórica em que descreve  e narra fatos ocorridos ao longo do tempo em Ataléia.  (Mais detalhes sobre a história de Ataléia podem ser vistos no livro A família Alves Teixeira que viu Ataléia nascer, de autoria de Adão Alves Teixeira. Veja matéria neste blog na seção Cultura e arte). Acompanhe na íntegra a entrevista concedida a Renato Alves Teixeira para o Mundo das Montanhas.
MM: Em que ano o senhor chegou em Ataléia?
Antonio Roxo: Em 1939.
MM: Quem já estava instalado por aqui?
Antonio Roxo: Juca Neves; Clarismundo Pereira; João Miné, que morava ali onde hoje mora João de Gentil; o farmacêutico José de Aguilar; Jardelino, que morava na fazenda do Córrego dos Macacos; Zezinho Cacique, que morava no bairro Acari que na época era uma fazenda ainda; Antero Celestino, uma espécie de chefe, de delegado do povoado; Neném Alchaar; Manoel Penedo; Antonio Lemos; Vicente Pedroso; Salim Gazel e seu irmão Gazel; o tio deles , o Sr. Sales Gazel; Manoel Maurício; o carpinteiro Antonio Rodrigues; Cocoisa; Antonio Cardoso; Aristides Pastor; Broque; João Machado; Miguel Luís; Joel de Souza e outros.
MM: Como era o povoado quando o senhor chegou? Pode descrever o lugar?
Antonio Roxo:  O rio tinha capoeirão dos dois lados. A água era muito limpa, muito boa, tanto é que nós bebíamos dela e banhávamos no rio. As ruas eram carreiros. Eram bem estreitas. Só andava animais. Existiam poucas casas. Tinha uma casa onde hoje é o mercado. Existia um bar no mesmo lugar que é o bar Varandão hoje e que era de Antonio Cardoso. Tinha uma casa onde reside a família de Sr. Marambaia hoje. Tinha a casa de Sr. Salim Gazel, onde hoje está a Maçonaria. Tinha a casa de Manoel Maurício onde está a casa de finado Pedrão hoje.  A casa de José de Aguilar ficava na esquina onde está o bazar de Katinha.  Existia a casa de Gazel, onde reside Delaci hoje. Eram poucas as casas. Tinha também a casa de Neném Alchaar, onde hoje se localiza o bar de Geraldo , na Descamba. Do outro lado do rio só tinha a casa de Manoel Penedo. Era só mato do outro lado. Não havia nem a ponte na época. Atravessava-se na canoa. Por trás da igreja era uma mata que dava até no bairro Acari, que na época era uma fazenda. Só nas baixas é que tinha roçado. No alto era mato puro. O bairro Coqueiral era mata também. A minha primeira lavoura foi lá. O Coqueiral pertencia a Vicente Pedroso, que me cedeu na época para eu fazer lavoura de milho, mandioca, abóbora e moranga. A rua Teófilo Otoni, onde eu moro hoje, era um carreiro, uma estrada cavaleira. Quando Frei Inocêncio vinha de três em três meses rezar a missa aqui, era eu que limpava essas trilhas. Aí aconteciam o leilão nas barracas. Quem recebia o padre era Sidônia Gomes Neves, Dona Doninha, como era conhecida, e José Ribeiro Neves, conhecido como Jucas Neves. Eram os meus pais adotivos.              
MM: Quais eram os principais desafios da época?
Antonio Roxo: Falta de luz, falta de água tratada. A gente pegava água primeiro no rio Norte, depois foram feitas as cacimbas. Falta de médicos e remédios. E só existiam as estradas cavaleiras na época. Me lembro que o primeiro carro que chegou em Ataléia foi trazido pelo capitão Pedro. Foi um jipe. Ele veio no volante e uns camaradas vinham abrindo o picadão nas estradas cavaleiras e outros puxavam na corda e seguravam o carro para não tombar. Quando o carro chegou na rua, o capitão disse que o carro só iria embora de Ataléia quando construíssem uma estrada de rodagem. E assim foi.
MM: Quais eram as suas atividades na época de Santa Cruz do Norte?
Antonio Roxo:   Eu cheguei por aqui vaquejando, trabalhando com tropa de cavalos, fazendo roça na foice e na enxada. 
MM: Como era a vida naquele tempo? Quais as boas e as más recordações daquela época?
Antonio Roxo: Me lembro que tinha muitos garimpeiros. Vinham aventureiros de todo lugar e quem os  comandava  era Antero Celestino e Joel de Souza.  Todo mundo andava armado, não tinha lei propriamente dita, mas havia respeito entre as pessoas. Não existiam ladrões, as coisas podiam dormir do lado de fora das casas que ninguém pegava. A tranqüilidade era uma beleza. Hoje já não é assim. De dia já estamos com as portas e janelas fechadas.
MM: Como se deu o casamento com Dona Lígia?
Antonio Roxo:  Ela veio de Teófilo Otoni e morava com seu tio Aristides Pastor.  Foi quando eu a conheci, na casa do tio, e em pouco tempo, questão de meses, nós nos casamos.    
MM: Qual foi a reação dos moradores quando Santa Cruz do Norte se emancipou e passou a se chamar Ataléia em 1943?
Antonio Roxo: O povo gostou muito, mas não houve manifestações. Quando a população soube, já havia acontecido a emancipação.
MM: Como foi o episódio do “Dia da Barreira”, causada por uma tromba d’agua que caiu sobre a cidade, matando muitas pessoas na cidade e nas redondezas?  
Antonio Roxo: Foi na época do Natal, no final do ano de 1945. Nós morávamos na casa onde a família de Sr.  Wilfredo mora hoje.  Choveu uns três dias. Uma chuva mais fina. E nessa noite, por volta das dez horas, onze horas, uma forte chuva caiu com muitos raios e trovoadas. Trovões estrondavam e a tromba d’água caindo. Rolou uma grande pedra junto com a lama da chapada , que passou do lado da igreja e ficou parada na frente dela. Um tronco de peroba muito grossa mesmo e com uns seis metros de comprimento desceu também na barreira e ficou parada também na frente da igreja. A pedra ficou muitos anos na praça  em frente da igreja, mas hoje não se encontra mais ali para mostrar o tamanho da tragédia. Porém, a  igreja só teve algumas rachaduras. A lama soterrou a casa de Antonio Lemos, que se localizava onde fica a loja Passo a Passo hoje, matando sua filha.  A cheia do dia seguinte veio até onde hoje é a praça Tancredo Neves. As canoas podiam chegar  até ali na época.   A filha de Vitalina, que tinha o nome de Maria e que na época contava com 14 anos,  foi arrastada pelas águas e desceu o rio em cima de uma tora, mas conseguiu se agarrar num galho de um arvoredo, já na altura do poço de Sr. Cesário, na Descamba, e foi salva por Marcelino Soares, avô de Candinha. Maria veio a falecer anos mais tarde. O policial Zé Rufo, comandado pelo capitão Pedro, apesar de não saber nadar, também tentou salvar a moça, mas foi levado pela correnteza. Seu corpo foi achado alguns dias depois na fazenda de Joel de Souza, onde se localiza a cachoeirinha de Nenga , como é chamado hoje em dia o local. Nessa mesma noite correu barreira em grande parte do município, matando muita gente na região.
MM: Qual foi a reação das pessoas quando receberam luz elétrica no final dos anos 60?
Antonio Roxo: No início era  luz a motor, mas iluminava poucas casas. O motor ficava na casa de Ferraz, onde se localiza a Casa da Goma hoje. Ferraz mexia com o ramo de  pedras. Era pedrista. Com Ferraz prefeito e com Antonio Pereira deputado, a luz elétrica chegou. Foi uma grande alegria para todos. Um progresso grande.
MM: Como as pessoas se divertiam naquela época?
Antonio Roxo: Com a luz elétrica chegou o cinema de Gerozino Pereira de Almeida. Mas, os primeiros bailes de carnaval aconteceram no prédio de Zé do Bar (hoje chamado de prédio de Nicodemos, localizado em frente a padaria). Esses bailes eram promovidos por Altino Meireles, homem muito inteligente, que chegou  em Ataléia com Antonio Pereira e Clarismundo.  Mas a diversão mesmo era o seguinte: na ocasião de lua, os vizinhos saíam de noite com violão e sanfona, chegavam na porta da casa da gente e gritavam: “Acorda, gente ruim! Vai coar café e fazer biscoito para gente comer!” Assim, começavam as festas que iam pelas madrugadas.
MM: Que período lhe trouxe mais alegrias: a Ataléia de antigamente ou a Ataléia atual?
Antonio Roxo: A Ataléia de hoje é mais desenvolvida, tem mais recursos, mas a Ataléia antiga era melhor para se viver. Podia-se confiar nas pessoas, não tinha violência nem roubos. Não tinha fuxico na época. Nós éramos uma irmandade. 
Antonio Roxo e sua esposa Lígia
MM: Se o senhor pudesse voltar no tempo e pudesse escolher um dia do passado distante para viver de novo, que dia seria esse?
Antonio Roxo: Eu voltaria a viver o dia do meu casamento com Lígia.
MM: O Mundo das Montanhas se sente honrado pela realização dessa entrevista , lhe agradece imensamente  pela gentileza de concedê-la e deseja saúde e boa sorte ao senhor e a toda sua família.   
Antonio Roxo:  Eu que agradeço a oportunidade. Olha, se todo dia eu pudesse receber alguém para conversar aqui na minha casa e dar uma entrevista dessa seria maravilhoso. Essa entrevista foi um remédio para mim. Obrigado.
      
         
             


13 comentários:

Tiago Alves disse...

Parabéns Renato!! Pelo trabalho de resgate da história e divulgação de Ataléia. Continuem assim, oferecendo conteudo e, principalmente, momentos de recordações dessa Terra.

Abraços

Renato Alves Teixeira disse...

Obrigado Tiagão, valeu pelo incentivo.

Luzanir Cabral de Lira disse...

Gratificante, Bom, Emocionante termos a nossa cultura e muito mais à disposição.
Entrevista maravilhosa de uma pessoa tão especial!
Bom Trabalho Renato!
Abraços, Luza.

Renato Alves Teixeira disse...

Agradeço pelas palavras, Luzanir. Gratificante sua presença

danilo disse...

bela entrevista renato,vc dar valor a terra onde viver isso é muito bom de se ver parabéns

Renato Alves Teixeira disse...

Obrigado, Danilo. Devemos amar nossas raízes, nossas origens. Há um ditado que diz que quem bebe da água de Ataléia sempre volta. Acho que eu bebi demais! rsrs

borboleta disse...

Oi Renato aqui é Elane,neta de Antonio Roxo,e é invejavel a vitalidade,a memoria de alguem que tem 95 anos.Obrigada pelo carinho,e respeito.Parabens pelo trabalho.

Renato Alves Teixeira disse...

Elane, realmente a memória de meu padrinho Antonio Roxo é fantástica. Sua vitalidade e lucidez são coisas para se admirar. Obrigado pelo comentário

Flávia Félix disse...

que orgulho do meu avô....dá dando rasteira em muita gente nova, inclusive em mim, kkkk, parabéns vovô e ao Renato pela bela entrevista.

Flávia Félix (economista)

Renato Alves Teixeira disse...

Valeu,flávia.

Eduardo Teixeira disse...

Bonita reportagem o nosso velho moço Antônio Roxo, protagonista de muitas das nossas historias na infância em Ataléia.
Renato um abraço do mano Eduardo Alves Teixeira.

Renato Alves Teixeira disse...

Eduardo, que bom que viu a entrevista de Antonio Roxo. É um dos moradores mais velhos daqui e realmente fez parte de nossa querida infância aqui em Ataléia. Abração, irmão.

isaciog disse...

Parabéns Renatão, ótimo trabalho, acompanho o Mundo das Montanhas, sempre me interessa esses assuntos da nossa cidade, bela entrevista, muito gostoso viajar no tempo assim, cada história contada faz a imaginação colocar a gente dentro dela, é muito bom isso.
Mais uma vez parabéns, tudo de bom e sucesso.